“As Marcas” (19/04/2012)

Quando só sobrarem meus pés para partir
Terei aberto mão de todo sonho
Deixarei para trás partes que não descobri
Não terei guardado um desejo para depois
Direi que esgotou-se o sentimento
Mas sem motivos do que me tomou partido
A felicidade sempre conta com o amanhã
Terei abandonado a ela também
Serei apenas eu descalço contra as pedras da estrada
O resto de mim estará em outrem
Corpos que abrigaram abraços
No fundo de almas, totalmente perdido
Inexistente da realidade que me cerca
Caminharei demais até outro que me faça vivo
Nada é longe quando desfeito de destino
Reconstruirei a ideia de mim
Aos moldes de algum paradoxo
Desaparecerei, irreconhecível aos pares
Forjarei o fim de tudo
Depois de se sentir pleno
É a única forma de se sentir livre novamente
Eu prometo jamais olhar para trás
Não serei leviano de deixar esperanças
Agora, tudo que amei, jamais irá partir

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Ser ou não ser” (30/03/2012)

Se um dia descobrir que não amo
Terei construído um jardim de inverno
Uma beleza presa em uma redoma
Verei a chuva escorrer no vidro
Incapaz de distinguir das lágrimas
Onde plantei a felicidade?
Prometa que mesmo sem o toque
A rosa seguirá seu curso
A dor é um sentimento que também nasce
O provável é que essa não tenha fim
Cultivarei ela como o amor
Preservando a parte viva de mim
Todo resto terá partido
No mesmo olhar que se fechou
Atrás da porta deixarei a lembrança
Partindo sem nada que não me pertença
O que se vive a dois jamais caberá em um
Um armário vazio de sentimentos
Um espelho vazio de sentido
Descobrirei o lado oco da alma
Sem amor não existirei em mim

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“O primeiro eu” (12/03/2012)

Juro que foi aqui
Entre essas mesmas grades
Enxerguei a vida
Respirava um ar de chuva
Sonhos suspiravam no asfalto
E ao céu rogava minhas aflições
Abracei inúmeros silêncios
Havia alguma paz na imensidão
Ali ancorei-me
Coisas que jamais me deixaram
Não eram verdades imutáveis
Não eram princípios conservados
Foram caminhos que escolhi
Destinos que voltei a mudar
Partindo dos sinais daquelas noites
Adiando o fechar da janela

Aquele parapeito não é tão longe daqui
Não penso que sobrevivi
Apenas me criei

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Rotina” (31/01/2012)

Pensei acordar sob os mesmos céus ao enquadrar todas as manhãs o horizonte da minha janela. Olhei nuvens, tons de azul e pingos de chuva. Do outro lado tudo me pareceu estático, prédios, árvores, pessoas…principalmente pessoas. Assim desenhava meus dias, nos moldes ultrapassados do ontem, de cores cada vez mais desbotadas. Não há nostalgia que aguente. Não há espelho que não mofe encarando o mesmo rosto perdido, de olhos fundos sem quereres. Uma vida de paisagem para um corpo figurativo. Sem cena, sem ato, sem mão que se estenda. As portas já não se fechavam, não tinham o que deixar para trás, não havia surpresa, nem alguém para chegar. Pelas ruas vacantes, vagava, nesta aliteração que tenho certeza que também repito, e se nem o verso é livre como poderá ser o amanhã? Todo mundo quer este agora, vive-lo plenamente mesmo sem os controles dos segundos. Pois o que fazem os que querem tudo que está além do aqui? Beirando o desejo não há glória, bonitos são apenas os sacrifícios. Eu, crente da rotina, não pude pular, ao imaginar que minha escolha já estava marcada em algum passo de um tempo remoto. Ao verificar as marcas percebi que nenhuma era igual a outra, e que esta prisão do tempo, era minha ilusão.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Paixonite” (03/01/2012)

Há um poema dentro de mim. Destes de marejar os olhos, de sentir orgulho. Só pode ser um poema de amor. Detalhando os caminhos pelas cicatrizes e encontrando algo desacreditado, um sonho sem visitas, tua verdade mais bem protegida. O poema mistura versos e prosa despreocupado de rimas e intenso na escolha das palavras. Sim, falará dos beijos molhados e dos corpos livres. Mas também vai lembrar da primeira carta guardada no criado mudo, próximo da nossa fé. Vai lembrar do olhar debaixo da chuva. Provavelmente descreverá a beleza de um ponto de vista totalmente parcial. Ele carrega a minha palavra mais preciosa e um ponto final elegante. Completa os sentidos que deixei pelo caminho, refaz meus passos por tudo que aprendi, abre os braços para tudo que não sei. Será uma composição que não saberei reproduzir, única, de forma bruta e deverá permanecer em palavra. Um poema que sussurra, mas não quer sair. Está a espreita de um raiar de Sol mais adequado. Ele é muito natural, mistura estrelas e flores com sentimentos. Quase tem cheiro. É um horizonte preenchido, uma paz conquistada, uma rima com o “você”.
Estou perdidamente apaixonado por tudo que ainda é silêncio.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Testamento” (18/11/2011)

Vou levar comigo todo amor
O lençol, o travesseiro e o cobertor
A foto na cabeceira e a 3×4 da carteira
Estou levando os casacos e o cheiro do armário
O reflexo atrás de ti no espelho do quarto
Não vai encontrar a escova e o aparelho de barbear
Levei a tolha que roubei do hotel com vista pro mar
Rasguei-me também de todas as fotografias
Não deixei nenhum presente que te dei
Coloquei na mala todo meu pedaço de vida
Destruí, uma por uma, nossas fitas
Desfiz sem dó, laço por laço
Não ficou imagem, som, nem palavra
Não se engane, carreguei o silêncio porta afora
Chave de fenda, martelo, prego, parafuso
Suor, saudade, sorriso e abraço
Pode olhar, não tem meus CD’s na prateleira
O livro do Manuel de Barros não está no criado mudo
Eu lavei e guardei toda louça
Coloquei no lugar a poltrona da sala
Desprogramei a secretária eletrônica e a televisão
Não guardei nenhum filme que planejamos ver
Já mudei as datas das minhas férias
Minuciosamente apaguei meu nome da tua agenda
Desmarque o florista, levei tudo que plantei
Rosas, lírios e as azaléias
O violão que aprendi apenas tua serenata
Ao cozinhar não procure minhas receitas
Não terá mais na boca nem meu beijo, nem meus sabores
Não passearemos no parque
A comunhão das nossas mãos será apenas desejo teu
À noite, a sombra no corredor não será minha
Pode amassar o travesseiro, não marcará minha presença
Perca o costume de parar nas lojas de esporte
Não volte ao restaurante da primeira vez
O jeito que gosto do café foi comigo
Jamais gostei de pizza fria
Levei a cópia da chave e fechei a porta
Não há ninguém além de você na casa
Passará dias me buscando entre as cortinas
Nem mesmo minhas cartas chegarão
Ficará sem meu olhar de adeus
Deixo-lhe somente nossa memória
Assim será tua escolha, me esquecer.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Virando a página” (14/11/2011)

Desenho um novo contorno. Quero outra cor para este cotidiano. Dispenso os tons de cinza, abro a janela e evito as gotas escorrendo pelo vidro. Lavo o rosto, deixo um sorriso no espelho, volto a me preocupar com minha roupa. Faço superstições ao tropeçar, planejo alguma fala perdida, roubo flores no parque. Invento novos motivos para um encontro. Visto-me de um novo espírito notável, recuperando algum reflexo de vida. Desfaço os esconderijos, falo sem mais pudores ou restrições de sentimentos. Na busca de qualquer inteiro firmo meu passo, abraço de novo o risco. Há algo nascendo e a chance é a melhor coisa que podem te dar. Abro o peito para o mundo, pois tem algo aqui fora. Além de qualquer alma, há algo que a completa. Esboço uma nova realidade e vão se construindo os personagens. Tudo agora é possível, como não ser feliz com isso?

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Trancafiado” (13/11/2011)

As paredes do meu quarto me confortam
Não quero deixar as cobertas
Se ainda fosse alguma preguiça
Mas é o mundo que deixou de ser vontade
Quero continuar girando aqui dentro
Um desaparecimento discreto
Abdicando de toda e qualquer luta
Estou enfadado deste universo
O trabalho que só consome
O sentimento que apenas desespera
Não me incomoda essa clausura
Aqui tudo está ao meu alcance
A vida atrás de uma janela
E absolutamente nada que me exija

As vezes é tanto que nos falta
Ao menos meu quarto posso preencher

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Carta do Desencanto” (06/11/2011)

Amor, venho esvaziar todo seu sentido. Eu que um dia roubei teu significado do dicionário. Já sou incapaz de repetir o abraço. As flores murcharam, abandonei-as em um inverno qualquer. Levei-te para toda palavra, te fiz contorno do meu universo. Meus olhos padeceram de cor, você escureceu em algum tom de cinza. Escrevo para desconstruir-te, apagar a marca do meu horizonte.
Tua falta não alimenta a solidão do meu quarto, já não é nem mais sombra. Desfaço meu sorriso a cada reciprocidade que não posso lhe dar. Desenlaço meus dedos em versos no papel cheio de letras frias. O “te” já não conjuga com você. Engoli o gosto amargo de não te querer. Preciso me desmanchar de qualquer virtude, desvencilhar-me da esperança. Não sou. Quero voltar a ser comum, paisagem, memória e talvez nem isso. Há de sobrar entre nós apenas um substantivo indefinido. Aqui mando a última coisa que posso lhe dar: Amor .

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Um ensaio sobre o amargo” (21/09/2011)

O telefone já não toca. São as sutilezas do silêncio que esvaziam aos poucos a presença. Não dá para negar o suspiro de liberdade, sentimentos também pesam. Descobri recentemente as fissuras em meus princípios. Não me angustia minha decisão, nem seus motivos. Mas abandonei uma relação, não foi sem feridas. Em uma inocência acreditei que jamais criaria uma mágoa, uma tão bem acabada, tão marcante, tão longe de minhas verdades. Inocências crescem. Não sinto falta de nada neste quarto, não porque esqueci, mas na verdade nunca coube. Não olho para isso como falha, desperdício, penso que assim é a vida. No mais apenas me incomoda que a única alternativa ao amor seja a dor. As cicatrizes são mais necessárias do que digo e imagino. É, não há alternativa quando se admite que não se ama. Por isso nesta penumbra de fim de dia sobra este gole seco, cheio de realidade, esperança, dores, pesares, verdade e duramente sincero. Prefiro esta dose aos paliativos humanos.
Um brinde.

Ass: Danilo Mendonça Martinho