“Final de Filme”(16/10/2017)

A vida não é feita de finais felizes. Ela é uma contínua montanha-russa cheia de picos e vales. Sempre tem o depois do agora. E quando não tiver, ambos não farão diferença. Então depois dessa felicidade plena temos alguma dor, e tão importante quanto aproveitar cada segundo destes sorrisos, é lembrar que a tristeza não será eterna.
Final feliz é coisa de filme. Já vi uma boa cota de filmes românticos. Alguns mais idealizados, alguns mais reais, outros extremamente crus. Em todos podemos identificar algo que passamos, principalmente nas tristezas, nas rejeições, no amargo das palavras. É impressionante como uma ficção pode nos representar tão bem, pode imitar a realidade nos seus detalhes mais íntimos, como se tivesse sido feito sob medida. As mágoas são mais abundantes e fáceis de encontrar reflexo. Só que pensando nisso, pensando em tudo que nos identificamos em um filme e como os escritores sempre trazem a realidade para o plano da imaginação, passo a acreditar que é possível. O fim é mais raro, mas não menos real. Se é possível uma dor de cinema, é possível um amor que vai além dos créditos finais.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Sóbrio” (04/10/2017)

Tenho medo das minhas esperanças. Elas me machucaram demais por diversas vezes. Boa parte, sem dúvida, dependeu do amor, mas não foi só isso. O meu ceticismo vem do cansaço. Foi muito sorriso em vão, foi muita fé na certeza que se dissolveu. Teve céu e inferno separado por segundos. Teve silêncio, teve não, teve jogos com requintes de maldade. Sem falar na maior parte da esperança, a espera. Parece que ela me deixou aqui e toda vez que me sugerem seguir é por uma janela e não uma porta. Só assisto passar. São sonhos lindos, com tempo até mesmo imperfeitos, mas que encantam, comovem, enchem o coração e me preocupam. Passaram muitas chances e não sai do lugar. Não teve brecha pela qual não tenha tentado escapar, chegando sempre mais perto e mesmo assim longe demais. Engraçado como o doce enjoa e o amargo acostuma. Lágrimas, suspiros, indiferença. Tudo só adia e a gente insiste quase sem vontade, apenas por saber que não existe outra maneira de chegar. Não tinha ideia do tamanho dessa pedra do caminho. Até que ontem me abriram mais duas janelas, me preparei no automático, então uma alegria me abraçou comemorando a oportunidade e eu, mesmo sem espelho, vi e senti minha face plana, sem destaques, sem relevos. Uma expressão que poderia se confundir com nervosismo, cautela, mas que eu sabia que era ausência dela, era o sonho inundado pela razão. Gostei, foi o que pensei. Gostei da ausência da ansiedade e do mar de imagens invadindo a mente. Teve um susto, mas fez sentido, porque agora seria diferente? Recuso outra ferida, recuso acreditar antes do fim. Posso me enganar, pois me colocar indiferente é a esperança que agindo de forma oposta as coisas possam dar certo. Mas faço isso também pela fatiga, pelo limite do espírito de quebrar. Não tinha percebido esse desgosto, só que não posso negar que o sinto necessário. Quando me sobem ideias eu fecho a cara. Espanto a esperança e a dor que pode acompanhar. Não me nego tentar, só que vou precisar muito mais para voltar a sorrir.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Dia de frio” (01/06/2017)

Eu queria voltar para cama e deixar a vida passar bem devagarinho. Não que minha alma não esteja ansiosa para seguir em frente, para que o tempo necessário finalmente passe e as coisas aconteçam. É que os deveres que se acumulam em meus pés não tem muito gosto e realizá-los sem ver o porquê os torna em fardos. É tudo um processo de fé. Daquilo que somos, daquilo que queremos, do que acreditamos. Eu não acho que sonhamos com o impossível. Sonhamos proporcionalmente a força de nossa alma. O que martela na nossa cabeça é esse potencial, as conquistas dentro do nosso alcance. Então talvez se ficar um tempo suficiente debaixo desse cobertor, deixando o frio soprar pela janela e a garoa escorrer sem pressa pelo vidro; Talvez eu possa fechar os olhos bem forte e enxergar como se fosse agora a felicidade que desejo, e talvez sentindo o que ainda não existe, saboreando essa realidade sublime, eu teria a força para não voltar mais para essa cama.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Deixa estar” (04/05/2017)

Em alguns momentos você precisa deixar as coisas serem. Isso não tem nada a ver com derrotismo, com desistir, com aceitar fracassos, com conformismo ou inércia. É na verdade deixar a vida ao seu redor tomar forma, crescer, criar oportunidades, amadurecer e que você possa encontrar as saídas, os caminhos por onde seguir. Eu sei que se pode estar totalmente longe dos sonhos, do que queremos ser, do que queríamos para vida. Mas ela, a vida, também está longe do seu final, tem muita coisa para nos ensinar e mostrar que vão alterar totalmente a nossa perspectiva deste arredor. Por isso deixe as coisas serem. E enquanto isso, o que fazer? Viver. Aproveitar o que se tem, fazer o que se gosta. Ler um livro, ver um filme, cozinhar, jogar um videogame, sair, escrever. Viver seus dias, viver com as pessoas. E não colocar nessas atitudes a pressão do sucesso, da grandiosidade, como se fossem as grandes soluções dos nossos problemas. Não colocar no teu trabalho toda esperança de crescimento, não ficar almejando que seu freela se torne o grande ganha pão, não ficar esperando teu hobby, teu talento para as artes ou algo parecido se torne um viral da internet, que você seja descoberto. Isso tira totalmente a chance de aproveitar as coisas, de compreender os momentos, de saborear o que vida te trouxe. Deixe as coisas serem. Por último, talvez o mais difícil e amedrontador disso tudo seja entender que não há nada para ser feito. Nada. Não adianta bagunçar a rotina, inverter prioridades, lamentar o tempo perdido, se martirizar pela não realização do sonho. Haverá o tempo de agir, se mantenha preparado, será claro, líquido e certo. Até lá não há nada que possa ser feito que esteja nas suas mãos a não ser viver bem, em paz e manter teus sonhos vivos. Chegará o momento de ser grande. Por mais que te doa ou pareça que a vida está passando por seus olhos, na verdade é apenas o ponto de vista, o rio está seguindo sua direção e por mais que pareça incoerente é preciso deixar as coisas serem para que o caminho tome forma e possamos ver com mais clareza o mar. Não há culpa, não há pressa, não tem nada perdido, muito pelo contrário você acabou de se encontrar. Agora permita-se apenas ser.


Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Se tudo passa” (24/03/2017)

Por que entre todas as coisas que poderíamos usar de referência nessa vida fomos escolher logo o tempo? Uma coisa que contamos sem saber o fim e com medo que acabe. Algo que te persegue pelos dias e noites, que te empurra ladeira abaixo, controla nossos passos, nossos afazeres, exige presença, dispensa motivos. Mas se você colocar reparo no relógio ele continua numa calma sorrateira. Se acompanhar pelo Sol então as sombras se mexem aos milímetros. Pode demorar até mais de hora para percebemos a mudança. O fato é que ele não se importa com nossa urgência, não entra na nossa pilha, ele apenas passa como parte da paisagem, fiel a sua natureza.
A pressa está em nós, plantada em nosso âmago desde pequenos. Cada dia mais cercados. Na parede, no pulso, na TV, no celular, na rua. Sempre temos um tempo, nunca estamos em tempo e ficamos a espera de um tempo que possa parar. Somos inventores da maior parte de nossas mazelas. Agarrados a tudo que nos aflige, reféns de nossos medos, conformados com nossa rotina. Mas que grande tolice foi começar a contar o tempo. Do que importa a duração das coisas se pudermos vivê-las com alguma alegria?

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Hamletiniano” (09/03/2017)

Viver ou não viver? É a tradução mais sincera dessa pergunta amedrontadora que por um instante supõe que a existência dessa consciência passageira esteja sujeita a uma escolha tão simples como abrir os olhos pela manhã.
Na minha mão em inglês arcaico vejo pela primeira vez o original que já não o é. Carregado de séculos de história e versões. Determinado e resignificado. São tantas suas possibilidades que reviso as minhas intenções. Mas o desejo é tentar traduzi-lo com meu inglês sem escola. Traduzi-lo em uma sincera e abstrata poesia.
Traduzir palavras tão distantes de sua verdade é fazê-las se perderem de uma vez, libertas de sentido. Serão vítimas do meu contexto, reais e deturpadas, sem mais chances de defender suas origens, a mercê do tempo e seus passageiros. Traduzir essas palavras é quase como negá-las a pureza que lhe resta, é negar sua própria existência.

Com um indiferente perdão poético o faço:

Viver ou não viver? Apavorante questão
É mais nobre sofrer do que desistir
Abraçar as mazelas e dores de nossa sorte
Ou com as próprias mãos enfrentar a maré
E ao enfrentar, encerrar em si o sentimento?
Morrer ou dormir, não importa mais.
Em um sonho encontrar nosso fim
O coração partido, e as milhares de cicatrizes
Que a carne deixa de herança para alma.
É a chama da qual desejamos e somos devotos que nos consome.
Morrer ou dormir, dormir!
Pela chance de sonhar: Sim, essa é a saída.
Pois dormindo não vivemos e o que podemos sonhar
Quando desconectados dos limites do corpo
Devem nos trazer alento
Um novo respeito as calamidades dessa vida tão longa
Para aqueles que vestem suas verdades e encaram sua rotina.
O poder corrompe, o orgulho cai
O Amor é negligenciado e tarda o perdão
O cansaço do trabalho e dos espinhos
Esse paciente mérito desmerecido
Que poderia em seu sossego
De mãos limpas nos tirar a vida.
Quem pensaria em aguentar?
Viver sob suor e lágrimas
Em vez de encarar o desconhecido
O silêncio que nenhuma palavra quebrou.
O desejo está em pedaços
E nos faz aguentar estes pesos
Em vez de encarar o precipício dos nossos sonhos.
A consciência do impossível deixa nossos pés no chão
E portanto as primitivas cores do olhar
Se diluem em um pensamento cinzento
E a aventura à flor da pele se resguarda
Suas correntezas se confundem
Se perdem em nome do nada.


Ass: Danilo Mendonça Martinho

*Inspirado no texto de Hamlet, Shakespeare. E no espetáculo “Hamlet, processo de revelação”, dirigido por Adriano e Fernando Guimarães, interpretado por Emanuel Aragão.

“Ensaio dos 30 anos” (07/02/2017)

Crescer me apequenou. Eu não tinha medo das minhas opiniões, eu abraçava com mais facilidade meus sonhos, eu tinha vergonha dos meus erros mas nunca os escondia, cresci errando. Eu acreditava nas minhas verdades e brigava pelo que parecia certo. Eu levantava a mão para questionar. Eu era mais livre nas minhas escolhas. Minha timidez inibia minha coragem mas não tirava sua força. Minha voz não embargava a qualquer momento. Eu tinha aprendido a me virar. Não congelar diante o desafio. Nunca me deu branco. Eu duvidava muito menos de mim, hesitava muito menos. Era mais cheio de palavras.
A idade está comigo, as responsabilidades, as contas, a casa para cuidar, o casamento para amar, o trabalho para cumprir, os sonhos para seguir. Mas ando esquecendo de tudo. Deixando o importante de lado, deixando acumular as ideias, fazendo apenas o necessário. Escondi-me tanto da realidade que hoje é quase um processo involuntário. Uso as complexidades de meu pensamento para algumas poucas bobagens. Culpo a rotina pela distância e os abraços que não dou são os mesmos que me faltam. O espelho ou não mostra ou me engana, pois não vejo nenhum adulto. Por dentro então tudo é um grande receio: falar, ser, opinar, acreditar, assumir, conquistar, sonhar, crescer.
Até um momento era tudo potencial e tudo se esvaiu como um rio diluído no mar. Irreconhecível e esquecido na imensidão sem norte. Entre tudo que eu poderia agarrar nesse naufrágio das idades da vida, como raios eu fui esquecer da vontade.
 

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Reset” (17/01/2016)

Eu não entendo essa vontade
Se eu sei que é em frente
Se eu quero continuar insistindo
Se a felicidade se escondeu no depois
Para que me entregar ao tempo?
Largar no sofá as esperanças
Esquecer no silêncio nosso rosto

Não entendo a dificuldade de lutar
Foi engano a renovação da alma?
O dever não ficou de lado?
Não entendo essas amarras
Fugir do próprio pensamento
Basta hesitar para desistir

Construímos verdades
Acreditamos na nossa imagem
E agora que nos desmentimos
Precisamos desfazer nossa fé
E lembrar todos os dias quem somos

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Improbabilidade” (16/01/2017)

Logo nós que estávamos tão certos
Logo nós de convicções e sonhos
Logo nós que encontramos a felicidade
Logo nós que sempre soubemos a vocação
Logo nós que tínhamos um plano
Logo nós que teríamos dinheiro
Logo nós que tínhamos prestígio
Logo nós de estudos e teses
Logo nós cansados das mesmices
Logo nós revolucionários da arte
Logo nós que temos tantas opiniões
Logo nós tão diferentes dos nossos pais
Logo nós de família estável
Logo nós de amigos fartos
Logo nós cheios de elogios
Logo nós cercados de boa vontade
Logo nós formados com louvor
Logo nós casados e com amor
Logo nós bem alimentados
Logo nós que lemos tantos livros
Logo nós que temos casa e carro
Logo nós viajados pelo mundo
Logo nós com casa no interior
Logo nós que visitamos museus
Logo nós que vemos teatro
Logo nós apreciadores da “boa música”
Logo nós conhecedores da história
Logo nós com tanta cultura
Logo nós amigos do ambiente
Logo nós cidadãos conscientes
Logo nós cheios de fé
Logo nós senhores do nosso destino
Logo nós bem vestidos
Logo nós pagadores de impostos
Logo nós voluntários
Logo nós trabalhadores
Logo nós de sanidade plena
Logo nós que damos risada
Logo nós que achamos a felicidade
Logo nós que somos sensíveis
Logo nós que damos abraços
Logo nós que escutamos
Logo nós capazes de entender
Logo nós que vemos TV
Logo nós que lemos jornais
Logo nós que sabemos inglês
Logo nós que usamos plural
Logo nós com varanda gourmet
Logo nós que sabemos a verdade
Logo nós jogadores da loteria
Logo nós céticos e convencionais
Logo nós defensores das liberdades
Logo nós evoluídos e progressistas
Logo nós que tomamos um bom café da manhã
Logo nós visionários de um mundo melhor
Logo nós tão bem preparados
Logo nós que acreditamos na vida
Logo nós que fizemos trinta anos
Sem saber quem somos, para onde ir e o que fazer
Logo nós….

Ass: Danilo Mendonça Martinho

15/11/2016

O tempo não tem janelas nem portas para o passado
Parar e olhar para trás para quê?
Nem saiamos debaixo das cobertas
Costuramos mais uma emenda
Como se todo dia já não fosse
Sem folga sairei quase sem rumo
Na cidade de pedra que revela seus vazios
Solidão a gente acha até debaixo do asfalto

O mormaço da cidade não substitui o aconchego do lar
Nem 100% equilibra essa balança
Fica só na esperança de um dia o tempo levar
Só enquanto ser feliz não paga conta

Minha própria rotina me pegou de surpresa
Até meu descanso é programado
Antes de acordar se conta as horas para dormir
Tem contas que a gente sempre sai perdendo
Feriado se conta vantagem e nenhuma história
Amanhã é dia de levantar na realidade
Mas….de que lado ficou a ilusão?

Ass: Danilo Mendonça Martinho