“Terciário” (10/12/2012)

O mundo há de ter outro dono
Um que não nos assemelhe
Este lugar não tem nada de nosso
O poder é invenção humana
Para generalizar verdades particulares

A ideia é esvaziar o indivíduo
Fazer da vida descartável
Assim a consciência não cobra
Os olhos preferem não ver
O que o coração sente

Entristece as inúmeras faces da miséria
Mas o que mata não é a mão que estende
É o corpo desprovido de escrúpulos
Aqueles de posse da fábula do poder
Escolhem deixar o povo na sua escuridão

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Resolução de fim de ano” (06/11/2012)

Vida se divide? Não digo compartilhar, mas dividir, como um bolo, como férias, como dinheiro até. A diferença é que sabemos nestes casos o quanto temos e assim podemos ser justos. Para contar a vida precisamos de uma medida. Segundos, horas, dias, anos? Isso tudo mede o tempo, mas a vida se mede em tempo? Mesmo se esse fosse o caso, não há tempo determinado para nossa vida. Aliás, de ninguém, talvez das moscas que dizem sobreviver 48 horas, mesmo assim é arriscado afirmar algo desse tipo. Então se a vida não está dividida entre o ontem, o hoje e o amanhã, devemos ter a medida errada.
Se fosse então os sentimentos que determinassem essa divisão. O primeiro amor, a primeira dor, as viagens inesquecíveis, as pessoas que partiram, o encontro com a nossa felicidade… Seria bom que fosse assim, dividiríamos a vida livre do tempo, pelas intensidades. Mas no mundo de hoje, efêmero e individualista, não posso garantir que certas alegrias cheguem a todos. Diante uma sociedade desigual seria menosprezo de minha parte desconsiderar as vidas que passam ao meu lado com suas particularidades tão belas, com dificuldades tão mais profundas. Cada vida conta.
Estaria então a vida a medir o ser humano? Mas a vida é feita de unidade única, singular, exclusiva. Tem diferentes formas e tamanhos. É muito mais do que idosos adultos e crianças. São classificações que seguem sem dividir a vida. Não posso fazer ela esperar as festas de fim de ano para mudar as coisas. Ou que eu só encontre meu grande amor carnaval. Termina-se um ano e pensamos em tudo que queremos para nossa vida no próximo. Mas a vida não é um ano, nem precisa esperar. Eu então resolvi que divido a vida em tudo que ela é, e tudo que ela ainda pode ser.


Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Quilate” (15/10/2012)

O olhar que sai pela janela ainda é inocente
Sonha sem limites com a felicidade
Não importa quão calejada esteja a alma
Pensamos no mundo como lugar de todo possível
O que a gente deseja ainda não foi traído
Ninguém o deixou por uma vida melhor
Nenhuma briga separou o abraço
Querer é a nossa parte mais pura
Seja para nascer o veludo azul
Ou mesmo o pedido por lágrimas que acompanhem
A palavra é sincera quando almeja
Tudo nessa vida tem uma chance
O homem que sai pela porta…
Ainda pode ser inocente

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Fada” (04/10/2012)

Os dentes que deixei debaixo do travesseiro deram lugar para um sorriso. Não há uma vez que o degradê do horizonte não me deslumbre. O cheiro da chuva preenche minha alma. O vento que bate suspira esperança. Os olhos que não desviam me dão alegria. Os abraços que me envolvem constroem um lar. A tristeza nas calçadas me revoltam. A negligência no poder me amargura. O sonho ainda me dá forças e a verdade proteção. O conformismo me deixa inquieto e a divergência me cria opinião. O outro pode ser companhia eterna. Ninguém precisa significar exclusão. O laço que une uma sociedade é compaixão. Respirar nos dá uma chance. O mundo nos dá uma escolha. A vida pode ser mágica.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Entre Corpos” (03/10/2012)

Há coisas que só digo para mim. Não que precisasse dizê-las, já que posso apenas pensar. É que falar formaliza as coisas de um jeito para poder organizá-las e então entender. Mas é provável que se me calasse, ainda sim me entenderia. O que digo para mim mesmo parece ser secreto, tem ares de sagrado. Desconsidera que qualquer um, mais disposto e atento, pode perceber o que não digo. Talvez muitos sem muito esforço conheçam o que chamo de segredo. Fico aqui a proteger palavras que são públicas, que podem encontrar um par. O que digo no meu silêncio, guardo para quem? O que são essas coisas que ninguém pode saber? Parece que são exatamente as coisas que nos diferenciam, tudo que nos é único, escondido em palavras ditas na solidão. Quem sabe todo diário exista para ser lido e que façam isso a tempo para descobrirem a pessoa maravilhosa que podemos ser.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Contexto” (17/09/2012)

O que aqui escrevo está condenado
Retrógrado, antiquado, parcial
Censurado e perseguido
Pelas causas que não nasceram

A palavra está sujeita ao futuro
Contextos mudam significados
Interesses pedem pontos de vista
Não há meio termos, apenas lados

O consagrado pode se tornar grotesco
Como um dinheiro que perde valor
Uma interpretação que desfaz uma obra
Quem serão esses donos da verdade?

Ninguém está aqui nesta escrivaninha
Como garanto que ninguém esteve lá
O passado não vai moldar o futuro
O poeta registra sua época
O homem constrói sua história

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“O sorriso da palavra” (05/09/2012)

A palavra deixou de doer
Perdeu assim, sua companhia
A alegria figurou como desconhecida
Indigna de um comentário
Se fosse melancolia falando de felicidade
Reuniriam-se todos para aplaudir
Mas é apenas a verdade descrevendo realidades
O que é o amor se não derrama?
Nota pé de um jornal qualquer

Ninguém quer as palavras doces
O coração amargo não acredita
Mas compra tudo que é utopia
Cercando-se de um vazio
Como é difícil olhar em frente
Ouvir dizer que o sonho existe
E nem poder ver o teu desenho
Que triste fim à palavra sorriso
Descobrir-se solidão como o inimigo

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Escola” (30/07/2012)

O nosso espelho envelhece
O sonho já não dorme
As paredes agora falam
A alma tranca a porta

Quando a dor arranha a pele
É preciso que sempre chova
Somos muitas coisas antes da cicatriz
Somos irreconhecíveis depois dela

O amor vai suspirar lá fora
A felicidade esmaecer na lembrança
O olhar adotar o silêncio
Viremos a velar a palavra

Num mundo desprovido de cor
O sorriso se confunde na paisagem
Como acreditar no horizonte
Sem diferenciar a tristeza da alegria

O sonho é como o vento
Não se vê, mas se sente
As vezes fica sem soprar
Mas ele sempre volta

É preciso se reeducar a chance
O coração as vezes azeda
Mas jamais estraga
A vida é sempre possível

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Ensaio sobre a esperança” (17/07/2012)

O ser humano vive a andar sobre fronteiras. Ele e o próximo, o sonho e a realidade, a escolha e a desistência, a vida e a morte. Mesmo assim ele segue, ignorando os perigos dos seus passos. O humano segue mesmo que ninguém tenha lhe prometido algo. Uma vontade interna que absorve os obstáculos, que olha em frente com uma certeza inexistente até para si próprio. A mente jamais será uma alienada, sei que não. A verdade é que a efemeridade desta passagem os fazem agarrar ao menor fio de esperança.

Eis o diferencial humano. Este espaço na alma dedicado as coisas que não são. A espera eterna de realização, plenitude e equilíbrio. A total irrelevância do possível. A força de acreditar em uma ideia. Não importa se a maré sobe e o afoga, ou mesmo que tudo seque. A chance basta.

A esperança não é um sonho, nem uma verdade. Não é um lugar para se chegar. Ninguém a espera. Ela não se completa, apenas mantém vivo. O homem só precisa de uma busca.

Ass: Danilo Mendonça Martinho