“O dilema de um bom dia”

A senhora que me disse bom dia o fez por costume, por educação, simpatia, tradição. Mas creio que na verdade o fez por ser natural, por acreditar ser a maneira correta de agir. O dia ainda era penumbra e chovia, ela estava acompanhada de uma ajudante e uma bengala, certamente gostaria de dispensar uma das duas, e disse bom dia a dois jovens desconhecidos que aguardavam algo no caminho, que tenho a impressão que refizera mais vezes que eu. Acenou e sorriu àqueles que frequentavam sua vila que hoje só é assim no nome, tudo é cidade concreta e são muitos os desconhecidos para que um bom dia seja distribuído sem critério. Mas à ela valia. O mundo podia tomar o rumo que fosse, era seu lar, seu caminho. Não desviou-se, não hesitou, não parou para admirar. A senhora era lúcida de seu destino e pura em suas intenções de desejar um belo dia aos outros. Ela não queria meu nome, nem atenção, talvez nem mesmo minha resposta. Admirei sua atitude e claro que pairou sobre minha cabeça a dúvida: Será que ela está certa nessa sociedade contemporânea? Será que a modernidade na verdade nos atrasou? Deu-me vontade de ter liberdade para um bom dia sem obrigação. Pareceu-me mais saudável o jeito daquela senhora sorridente para o mundo, e ele para ela. Receptiva ao perceber os que a rodeiam não como amigos, nem mesmo conhecidos, mas semelhantes. Somos, não é mesmo? Fiquei feliz com aquela perspectiva, aquela lembrança e não precisarei de armas, nem pedras, nem discursos, nem política. Minha revolução será um bom dia até que todos percebam que somos um só.
À senhora que me disse bom dia….disse bom dia, sem alterar minha espera, virar meu rosto, ou repelir sua presença. O fiz naturalmente, reconhecendo-nos como parte do todo.
 
Ass: Danilo Mendonça Martinho

 

“Preserve seus sonhos”

Nossos desejos mudam
Se transformam, crescem,
Se desviam
Mas que permaneçam nossos
Até mesmo secretos

Os atos mudam com cada verdade
Com cada conhecimento
Com cada informação
As vezes nem precisa ser verdadeira

O mundo é complicado lá fora
Causas são vencidas por interesses
Vontades são vencidas pela rotina
Sonhos são massacrados pela necessidade do dinheiro

Mas sua vontade de ser feliz
Pode mover o mundo em uma nova direção
Sejam quais forem seus planos, se forem justos,
Eles merecem uma chance
Os sonhos serão a diferença entre sobreviver e viver.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“A força desconhecida”

Eu mais do que ninguém tenho que tomar cuidado com as palavras. Sei que são armas, instrumentos, mensageiras, poços de possibilidades e interpretações. Ardilosamente dúbia a palavra pode lhe entregar por inteiro, ou pode carregar uma mentira a pessoas suficientes para ser irreversível. A palavra entra em qualquer alma, basta ser a certa. Somos rodeados por essas entrelinhas de desejos e verdades. Alguém aplicado o suficiente, atento, curioso e dedicado não deixará nada passar como comum e para estas seremos sempre um livro aberto. A nossa sorte ou azar é que essas pessoas são raras. Não acho que é preciso esconder sentimentos. Mas sei que tenho muitos planos que precisam ser maduros o suficiente para sobreviver neste mundo. Universo de vaidades, de olhares que tanto prestam atenção a ponto de atrapalhar nossos passos. Há muita força contrária, até mesmo dos que querem ajudar. Um sonho precisa ser forte, um desejo precisa ser completo, uma vontade precisa ir até o fim. Por isso há muito segredo em nossas palavras, é preciso olhar a quem. O conhecimento superficial do mundo moderno transforma todo nosso redor em uma frágil conexão de pessoas, de agenda escusa e própria. Mesmo sabendo disso o perigo ainda reside, pois há muitos os quais não definimos lado, nem opinião. Há certas coisas que devem permanecer no menor círculo de pessoas possíveis. As vezes é preciso se manter trivial. O coração precisa de segurança para falar, caso contrário faça de cada batida um silêncio, de cada pulso um olhar. Não entregue os pontos antes do necessário, antes de saber do que se fala. A conversa geralmente ajuda, mas não necessariamente porque te ouvem ou te aconselham, mas sim porque você se ouve, porque você alivia o peito. E já que é preciso falar, faça a quem te dê mais que ouvidos, faça a quem entenda. Seja breve nas palavras, a força do seu sonho está no inesperado, no desconhecido, no único, no que é só seu. Para qualquer outra pessoa escolhida sem a devida cautela, seu desejo será apenas uma informação privilegiada. Tome cuidado com a palavra.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Aprendiz” (21/08/2013)

O que mudou?
Será que repito erros?
Um dia fui aluno
Escutei tudo que podia
Um dia deixei de ser
Continuei a escutar
Crescer é para sempre

Hoje me ignoram
Como se fosse fatalidade
As palavras que digo
Mero acaso do gosto
Sinto-me vazio
Conhecimento sem vazão

A experiência é pouca
Quero ser mestre um dia
Ainda sou mistura
Dos meus desejos
E do que conquistei
Isso ninguém me tira

Estou apenas tentando
Passar adiante minha cultura
O seu desdém faz parte
A platéia tem seus direitos
Mas não desqualifique
Se me arrisco no discurso
Falo daquilo que sei

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Um Lugar Melhor”

Eu sempre abdiquei o porquê das palavras. Sentia e me parecia tudo. Também sempre soube ser um dom, um encontro permitido aos meus ouvidos. Talvez somente agora posso aceitar, entender e assumir a grandiosidade da poesia. Posso fazer do mundo um lugar melhor. Pode ser um canto, uma vírgula, um quase nada, mas posso. Não é algo que se abdica sem consequências para alma. Nosso talento é o sinal mais claro da nossa busca nessa vida. Ele tem que permear todas nossas atitudes, toda nossa essência. Viver significa ser tudo que se pode, sem restrições a nossa alma. Tantas vezes somos conformados a nossa realidade que o potencial vira segundo plano. Permanecemos a caminhar incompletos. Não, a vida é mais. Não sei quais são minhas chances, jamais saberei ao certo os resultados, mas tenho a palavra e farei dela o melhor que puder, eu apenas te peço que me ouça.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“O invisível”

Há muito menos destino
E muito mais ações
Dando as cartas nessa vida
Mas não posso ignorar
Os impulsos da alma

Caminhar se torna tão banal
A paisagem quase nem afeta
Nem mesmo as transgressões
Tantas vezes queria levantar a voz
Motivos não nos faltam
Mas a palavra sim

Há remorso em certos silêncios
A frase nunca dita fica
Enraizada se repete
A vontade cega de ter mais uma chance
Responder à altura
A troco de quê?

Do mesmo jeito que calo
Outras vezes falei
Algumas exatamente o que queria
Não há diferenças
A revolta é a mesma
Há uma dose do desconhecido

A palavra hesitou
Salvou minha vida
A fraca resposta
Serviu de aviso
E as vezes a verdade nua
Se fez necessária

Algo sobrepõe nossos atos
É raro, mas acontece
Talvez demore a consciência
Devemos muito a este “improvável”
Consequência é mais que retrucar
É tudo que se leva para alma

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Acuso”

Eu sinto que meu sonhar é extremamente perigoso. Sonhar não é acreditar, ele lhe dá o futuro como certo. A conquista pode se afastar da realidade em mais maneiras que a palavra pode se tornar silêncio. Aqui, do outro lado do sonho frustrado, nosso coração até se une com a razão para enxergar além da dor. O motivo da queda pode parecer obscuro, mas geralmente remete ao espírito com que entrou na batalha. É difícil dizer, mas os ceticismos me levaram mais longe, o cru, o inegável, os olhos sempre abertos. Não nego o sorriso que vem com o idealizado mundo de amanhã, mas que não passe disso. O vício da esperança pode se tornar uma expectativa real demais. Incapaz de permanecer no agora, fiquei desarmado na luta. Todo mundo sente o golpe. Nada é insignificante para alma. Não posso olhar para o lado, fui eu. Desvirtuei a fé, o desejo e a realidade sem encontrar saída e a última me trouxe de volta em uma única palavra. E o mesmo sonho te faz se sentir pouco, ínfimo, aquém. É perigoso sonhar longe do travesseiro. Colocar sentimentos antes dos fatos. Todo sentimento pode virar dor. Fui ridículo ao imaginar acima, melhor do que a chance, e essa me fechou a porta. Pois agora é meu sonho que vai aguardar, a realidade é feita de pedras sobre pedras e eu ainda tenho muito o que levantar aqui dentro.
Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Intransigente”

Não há apelo ao coração
Argumento, conselho, aviso
O próprio corpo desiste
Olhos cansados de lágrimas
A razão mergulhada na emoção
Ninguém pede, mas todos querem
E ele ama sem restrições

Sentir é natural
A questão são as possibilidades
Intensidade, desejo, caráter
Tudo precisa se encontrar
Ou ao menos a disposição para mudar
Todos tem seus limites
Quem pertence as suas fronteiras?

Ninguém precisa de pressa
Certezas são altamente voláteis
O orgulho é uma armadilha
É preciso saber abrir mão
Reconhecer um sorriso aberto
E não discutir com o coração

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Ensaio sobre o silêncio”

Há um grande desrespeito pelo silêncio. Por certas pessoas não passa nem um respiro. Existem presenças que só se justificam com a fala, não nego. Mas até estes pequenos incômodos merecem seu espaço. Uma conversa é tão boa quanto um suspiro. Fazemos do silêncio um estranho como se não bastasse uma companhia, olhares, sorrisos ou mesmo nada disso. O simples acaso de dois conhecidos que seguem para o mesmo destino ou dividem uma refeição. Sinto falta, sinto-me perturbado pelas constantes interrupções deste momento de reflexão. Até eu mesmo me vejo influenciado por essa tendência, que companhia precisa de palavras. Fujo do olhar, mexo a mão, olho para os céus como se precisasse urgentemente fugir dali. O que está ao nosso lado é assim tão diferente, tão amedrontador? Fico a pensar o que será que fez de nossa alma assim tão assustada. Somos tão precários, tão imaturos. Incapazes de lidar com o silêncio, imagina cuidar de um mundo. O mais breve som da natureza ou respiro da vida passa simplesmente despercebido. Há tanto ao nosso redor para conhecer, tanto, que qualquer dia desses você deveria não falar e ouvir também.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Descalço”

É difícil andar a pé. Tem concreto, tem terra, tem cascalho, tem espinho. A ferida sempre aberta de quem insiste que o melhor passo ainda é o próximo. Ser feliz é completar-se a cada dia. Mas para isso é preciso deixar o rastro. As marcas de uma sobrevivência muitas vezes questionável. Em busca de um horizonte muitas vezes utópico. Não vejo ninguém diminuir a velocidade, nem mesmo desviar do caminho. Todos querem suas promessas. O sentimento nasce de uma forma tão natural que é impossível demovê-lo por fora. Tudo que nasce dentro, lá perece, ao seu próprio momento. A razão é apenas um conselho. É admirável o ser humano, mais do que pela sua capacidade de pensar, mas pela escolha de abandono do mesmo. Sofre e sorri. Apanha e abre os braços. Magoa e ama. A alma tem bem menos extremos do que parece. Na convergência de ser um, a mistura nunca sai igual. Só permanece o desejo, o sonho, este gosto de vida que todos queremos encontrar. Vamos longe, vamos fundo até o dia de não precisar mais voltar. O enfim descanso para nossos pés.

Ass: Danilo Mendonça Martinho