“Um dia de Cão”

Dizem que a maioria dos animais enxergam preto e branco. Começo a pensar que isso não é assim de todo ruim. Eles não enxergam a poluição no horizonte, por exemplo. Lama, terra, asfalto, pedregulho, é tudo chão. Tratam os dias de Sol e de Chuva da mesma maneira. Talvez percam a beleza das flores, mas assim não criam diferenças com a beleza da grama e da copa das árvores. Tudo pode ser belo em um mundo preto e branco. As cores dos olhos não causam intrigas e os tons da pele preconceito. O urbano se mistura de tal forma que é provável, infelizmente não certo, que as pessoas se enxergassem como parte do mesmo todo. Poderíamos chamar aqui de sociedade, enfim. Num mundo sem cores desvalorizaríamos roupas, estética e imagem pelo conteúdo. O tucano, a televisão, o pôr-do-sol e o futebol perderiam um pouco da graça. Mas há outras coisas que valem nossa atenção nesse mundo. Tais como o gesto, o olhar e a palavra. Acredito que lágrimas e sorrisos continuariam iguais. Aguçaríamos nossos outros sentidos. Coisa que anda necessária, principalmente o tato. Talvez nos tornaríamos seres humanos mais na essência e menos fantasiados. No fim há prós, há contras e meu cachorro segue a me olhar sem revelar o que é melhor.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Cara Limpa”

Pela máscara do sorriso a lágrima também cai
Quantas são as nossas carapuças?
Quem realmente enxerga nossa alma?
Podemos culpar a indiferença alheia
Mas não foram os outros que levantaram a muralha

Somos frágeis, ridiculamente frágeis
Não bastasse, nossos sentimentos são alvos mais fáceis
A dor de um âmago prolifera da razão ao coração
Mas não me venha com copiosos afagos
A vida também foi feita para sangrar
O amargo é preciso como o entardecer

A lua cheia vem e a melancolia que sobe
Deixe tocar meus pés na tristeza
Abraçar a solidão de outros dias
Voltar a encontrar em mim a verdade
Ser feliz com um rosto livre de fantasias

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Deriva”

O dia nasce para todos, mas com certeza não nos diz as mesmas coisas. A luz aqui atravessa a janela, ali reflete contra os vitrais e também bate na madeira apodrecida que permanece em pé somente até os próximos temporais. Há muita realidade em um espaço cada vez menor. As linhas que definem o ser humano estão mais tênues, frágeis e (como sempre) prontas para se cruzar. O que faz de um olhar, um olhar de bandido? O que faz de um corpo e alma sofrida, desejar por paz? Se trilhamos um caminho de respeito e honestidade, venho a me convencer que é por sorte. Pessoas do mesmo passado tiram conclusões totalmente diferentes de suas experiências. Somos abismos profundos e distantes. Neste hiato muita coisa perde valor, como a vida. Desmerecendo a si, o outro vale menos ainda. O problema é sempre o próximo. Dói saber que a educação não é desrespeito a cidadania. Dói saber que a política não é desrespeito a sociedade. Dói ignorar que o presente não é desrespeito ao passado. Dói perceber que não virá mudança. Dói não saber o que deixaremos para trás. Dói perceber que tratamos a existência neste mundo como se não fosse desrespeito a nós. Dói, ao olhar para o lado, encontrar algo ou alguém tão abandonado socialmente como você. Dói não ter o que comer ou algo porque lutar. Dói entregar este futuro nas mãos de pessoas que quase sem amparo algum decidirá entre o “bem” e o “mal” , entre querer ou desistir, entre acreditar ou apenas adaptar-se. Se chegamos até aqui é por sorte, o que faz da dúvida sobre um amanhã nossa única certeza.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“O sentir não tem nome”

Desenhar o amor é muito fácil. Todo mundo já deve tê-lo feito, provavelmente mais de uma vez. É que se descobre que diferente coisas lhe cabem, talvez até mesmo tudo, mas nem tudo te serve. Seus traços podem reproduzir conceitos, pessoas, memórias, e (acredite) dores. São formas que experimentamos, nem sempre voluntariamente. Fico pensado nos moldes que não se encaixam. Será que arrastamos o amor, ou mesmo o deformamos para nos servir? Há muito na conta dele. O romance segue de uma maneira particular, obedecendo escolhas e essências. Sabemos, o humano erra, e também muda. O amor não esmaece, nem se dissipa, são os quereres que são outros, são os limites da alma que se atingem. O amor segue, só amor. Viver tem variáveis tão infinitas. Talvez o correto seja deixar esse desenho em aberto, não é preciso ter pressa, há muitos enganos quando só se precisa de um acerto. Não falemos dele, que apenas sente.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Apenas, um ensaio”

O apenas reduz tudo a sua mais ínfima parte. Simplifica e menospreza. Desmorona argumentos, apressa o tempo e faz até um sentimento caber em menos que um suspiro. É uma palavra que se reduz a um único e mais nada, uma palavra, poderiam dizer, que fez uma escolha. Ela é. Ao se deparar com algo tão irredutível muitas questões são levantadas e nos vemos desafiados. Nada pode ser apenas. Tudo precisa de inúmeras razões, tudo está sujeito a um ponto de vista, tudo por menor que seja é uma chance entre várias. Mas tudo apenas aponta direções, alcança o mundo em um único abraço, te dá a visão sem o caminho. A ideia que algo seja apenas é plausível, pois ele também é completo. Apenas não é limitar, é desenhar os contornos do que somos. Não é ser tudo, é ser todo, quantos podem dizer isso? Talvez este seja o motivo desta palavra ser tão inquieta, ela carrega um pouco de nossos sonhos. Pode parecer desconsideração, mas ela, como nós, que ser simples. Simplesmente viver, simplesmente querer, simplesmente amar.


Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Completos” (29/01/2013)

O vazio da perda jamais se completa
Os olhares que virão a sorrir tristes
Fiel a ideia que a vida virou um fardo
Há quem faça sua paz com a dor
Mas e a dor que não é anunciada?

“Por que” pode ser uma busca para vida toda
Perder-se é uma escolha, mas não uma troca
Punir-se é ser dor para sempre
A morte dos nossos próximos
Parece não deixar saída para quem fica

Agora, o mundo a nossa volta não nos deixa
A existência não perde sentido
Sabemos que jamais cessaremos o choro
A alma não foi feita para andar vazia
Mas podemos enchê-la de vida mais uma vez

Há tantos sonhos, alegrias e desejos
Para serem feitos no nome de quem se foi
Há ainda uma vida que pulsa em nós
A qual não nos deixariam abandonar
Há dor, mas há todo amor da vida que aqui esteve

Ninguém merece uma perda
Mas todos merecem ficar em paz

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Próximo” (28/01/2013)

Talvez o mundo lhe pareça um lugar cheio de estradas erradas. Nossa percepção da vida é influenciada por muitas variáveis, todas plausíveis. O reparo de nossa alma parece um trabalho eterno, sempre algo está fora do lugar. Mas não acredito que seja defeito de fabricação nascer assim “sem lugar”. Não falo de casa, cidade ou país. Falo de um lar para nossos sentimentos, desejos, sonhos, enfim, nosso ser. Ser é uma responsabilidade muito grande, mas não além da capacidade humana. Ser envolve escolhas, princípios e uma reconstrução constante de si perante a vida. Essa busca leva muitos ao desespero, mas esta busca leva. Fluir e fruir por este mundo é fundamental e as aflições de nossa alma é o que nos move. Algo que te mantém vivo, te mantém ansioso do futuro, não pode ser de todo mal. É que dói, eu sei, dói. Precisamos de um lugar que abrigue este nosso ser. Para alguns é a liberdade, para outros ainda que não pareça é a solidão, mas para todos em algum momento é a companhia.
Zilhões de variáveis e eu venho repetir-me sobre a necessidade de se encontrar em outro. Mas não confunda com Amor, pois este é peça. A verdade é que em meio a essa lapidação do que se é, precisamos de descanso. Acredite, não há férias dentro do seu próprio corpo. Há muitas ruas sem saída, muitos sentimentos sem resposta, muita melancolia se misturando com os sonhos, muita mesmice no horizonte. Precisamos de outro que enxergue alguma vírgula diferente, algum alívio para todo universo que carregamos em nós. Precisamos renovar as forças de nossos ideais e rearranjar a harmonia da nossa paz. A construção desse lar é muito gratificante para se deixar pelos caminhos. Plenamente ser é incrível. Tudo que se precisa para continuar é um outro, é um corpo para descansar a alma.
Talvez o mundo lhe pareça um lugar possível, todos os dias.
 

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Forças” (08/01/2012)

Há quem viva na beira do caminho
O mar carregou, mas insistiu
Ninguém volta sem marcas
A cicatriz nos diferencia tanto
É difícil aceitar sem reconhecer
Mas não há mão estendida
O estranho deve saber seu lugar
Toda essa luta para voltar
Não há espaço para pedir socorro

Existe caminho sem volta
A escolha será sempre do outro
Isso não nos faz isentos
Expulsamos tudo que é diferente
Evitamos o desconhecido
Como se um fosse fazer tudo ruim
Mas o todo não pudesse fazer desse um, bom

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Fortaleza” (07/01/2012)

É estranho defender a si
Parecemos utópicos
Contrariando por simples despeito
O diferente, o alternativo
Amaldiçoado a se arrepender
Segregado por uma escolha
Como é difícil perseguir um sonho

Ninguém quer se ver só
Se preciso destrói horizontes
Tudo por sua causa mesmo que perdida
O querer não sobrevive fora da alma
Precisa do coração certo
E de uma força desconhecida
Pois a oposição pode ser todo resto

Caminhos não faltam
A felicidade reside com nossa escolha
Cada vida tem o que a completa
A maré sempre levará alguns
Meu norte só faz sentido para mim
Por isso defendê-lo
Não há quem vá lutar por você

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Rumo ao Futuro” (02/01/2013)

Todo desconhecido vive entre medos, ainda sim beira novos sonhos. O passo nunca se parece com o desejo, mas é exatamente a descoberta que o mantém vivo. Ao nosso lado temos a escolha e o coração. Não se engane, a razão não está em nenhum dos lados. Confiar em si jamais foi garantia de sorrisos. Ao decidir fazer a curva, muito pode doer, muitas coisas podem se perder e o destino se embaralhar. Só que no fim dela permanecerá seu espírito. Nenhum outro horizonte além daquele que você desenhou te trará paz. É o que nos mantém derrapando nessa estrada ajustando a direção. Os sonhos e os fracassos vão continuar beirando o possível, mas a escolha e o coração estão do nosso lado.

Ass: Danilo Mendonça Martinho