“Acuso”

Eu sinto que meu sonhar é extremamente perigoso. Sonhar não é acreditar, ele lhe dá o futuro como certo. A conquista pode se afastar da realidade em mais maneiras que a palavra pode se tornar silêncio. Aqui, do outro lado do sonho frustrado, nosso coração até se une com a razão para enxergar além da dor. O motivo da queda pode parecer obscuro, mas geralmente remete ao espírito com que entrou na batalha. É difícil dizer, mas os ceticismos me levaram mais longe, o cru, o inegável, os olhos sempre abertos. Não nego o sorriso que vem com o idealizado mundo de amanhã, mas que não passe disso. O vício da esperança pode se tornar uma expectativa real demais. Incapaz de permanecer no agora, fiquei desarmado na luta. Todo mundo sente o golpe. Nada é insignificante para alma. Não posso olhar para o lado, fui eu. Desvirtuei a fé, o desejo e a realidade sem encontrar saída e a última me trouxe de volta em uma única palavra. E o mesmo sonho te faz se sentir pouco, ínfimo, aquém. É perigoso sonhar longe do travesseiro. Colocar sentimentos antes dos fatos. Todo sentimento pode virar dor. Fui ridículo ao imaginar acima, melhor do que a chance, e essa me fechou a porta. Pois agora é meu sonho que vai aguardar, a realidade é feita de pedras sobre pedras e eu ainda tenho muito o que levantar aqui dentro.
Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Resenha”

Um coração que bate
A razão que se perde
Uma mente que se entrega
O âmago que contrai

Uma lágrima que cai
A falta que faz presença
Um todo que se torna sozinho
A certeza que não vai embora

Um corpo que parte
A saudade que se cria
Um abraço que volta
A alma que se conforta

Um sorriso que nos encontra
O olhar que não se distrai
Um vislumbre de felicidade
A esperança que não volta atrás

Uma verdade que se omite
Uma imagem que suspira
Um vazio que nos martirize
Até mesmo um silêncio que nos invada

O sentir sempre vale uma palavra
Mesmo que seja apenas amor.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Sobrevivência”

Faz tempo que não se respira
Nem mesmo o silêncio
O outono me parece sensato
Encolhido ao tronco de uma árvore
Que já não faz sombra, nem dá frutos
Sua solidão é completa, quase humana
A palavra eventualmente se desgasta
O gesto invariavelmente se repete
É entediante essa vida sem vontade
Mas infinitamente segura

A ciência diz o que pode soar como crendice
Um ser humano sem companhia se desfaz
Parte mais cedo, atrasa todas suas realizações
Como se apenas o outro comprovasse a si
Pensar já não é sinônimo de existir

Ontem voltou a chover, devagarinho
Evaporou-se a poeira do horizonte
O frio ocupou as frestas das casas
E por trás das tulipas desmaiadas
O suspiro errante foi ouvido
Apesar de contra toda a natureza
O sozinho segue caminhando
Respirar talvez seja um vício

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Cara Limpa”

Pela máscara do sorriso a lágrima também cai
Quantas são as nossas carapuças?
Quem realmente enxerga nossa alma?
Podemos culpar a indiferença alheia
Mas não foram os outros que levantaram a muralha

Somos frágeis, ridiculamente frágeis
Não bastasse, nossos sentimentos são alvos mais fáceis
A dor de um âmago prolifera da razão ao coração
Mas não me venha com copiosos afagos
A vida também foi feita para sangrar
O amargo é preciso como o entardecer

A lua cheia vem e a melancolia que sobe
Deixe tocar meus pés na tristeza
Abraçar a solidão de outros dias
Voltar a encontrar em mim a verdade
Ser feliz com um rosto livre de fantasias

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Enclausurado”

Dentro de casa o mundo vira sonho
As paredes não tem imaginação
A vida é uma questão de reciprocidade
Ao trancar a porta aprisionamos a chance
Tudo é possível mas apenas isso
O sorriso da esperança não é falso
É uma sombra como na caverna
A alma se torna projeção do pensamento
Um corpo que se completa sem ser
O homem criou o que fazer
A ilusão consome a realidade
O concreto é tão abstrato quanto a ideia
Todos temos que dar este passo
Para o conforto de nossos sonhos
Para incerteza de realizá-los

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Completos” (29/01/2013)

O vazio da perda jamais se completa
Os olhares que virão a sorrir tristes
Fiel a ideia que a vida virou um fardo
Há quem faça sua paz com a dor
Mas e a dor que não é anunciada?

“Por que” pode ser uma busca para vida toda
Perder-se é uma escolha, mas não uma troca
Punir-se é ser dor para sempre
A morte dos nossos próximos
Parece não deixar saída para quem fica

Agora, o mundo a nossa volta não nos deixa
A existência não perde sentido
Sabemos que jamais cessaremos o choro
A alma não foi feita para andar vazia
Mas podemos enchê-la de vida mais uma vez

Há tantos sonhos, alegrias e desejos
Para serem feitos no nome de quem se foi
Há ainda uma vida que pulsa em nós
A qual não nos deixariam abandonar
Há dor, mas há todo amor da vida que aqui esteve

Ninguém merece uma perda
Mas todos merecem ficar em paz

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Próximo” (28/01/2013)

Talvez o mundo lhe pareça um lugar cheio de estradas erradas. Nossa percepção da vida é influenciada por muitas variáveis, todas plausíveis. O reparo de nossa alma parece um trabalho eterno, sempre algo está fora do lugar. Mas não acredito que seja defeito de fabricação nascer assim “sem lugar”. Não falo de casa, cidade ou país. Falo de um lar para nossos sentimentos, desejos, sonhos, enfim, nosso ser. Ser é uma responsabilidade muito grande, mas não além da capacidade humana. Ser envolve escolhas, princípios e uma reconstrução constante de si perante a vida. Essa busca leva muitos ao desespero, mas esta busca leva. Fluir e fruir por este mundo é fundamental e as aflições de nossa alma é o que nos move. Algo que te mantém vivo, te mantém ansioso do futuro, não pode ser de todo mal. É que dói, eu sei, dói. Precisamos de um lugar que abrigue este nosso ser. Para alguns é a liberdade, para outros ainda que não pareça é a solidão, mas para todos em algum momento é a companhia.
Zilhões de variáveis e eu venho repetir-me sobre a necessidade de se encontrar em outro. Mas não confunda com Amor, pois este é peça. A verdade é que em meio a essa lapidação do que se é, precisamos de descanso. Acredite, não há férias dentro do seu próprio corpo. Há muitas ruas sem saída, muitos sentimentos sem resposta, muita melancolia se misturando com os sonhos, muita mesmice no horizonte. Precisamos de outro que enxergue alguma vírgula diferente, algum alívio para todo universo que carregamos em nós. Precisamos renovar as forças de nossos ideais e rearranjar a harmonia da nossa paz. A construção desse lar é muito gratificante para se deixar pelos caminhos. Plenamente ser é incrível. Tudo que se precisa para continuar é um outro, é um corpo para descansar a alma.
Talvez o mundo lhe pareça um lugar possível, todos os dias.
 

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Avós” (22/01/2013)

Não é que a vida deixe de se criar
Ou que nós abandonamos nossos passos
Mas um dia a lembrança simplesmente invade
E todo agora se completa com uma história

Aquela estrada que ainda não existia
A noite mais fria da vida
Diversão tinha outras cores
Que os jovens de hoje não enxergam

Não há lugar que o passado não entre
A nostalgia vira companhia da rotina
Não sei se para suportar a realidade
Ou para adornar os dias

Perdido nas palavras eu sorrio
Há uma alma cheia de lugares na minha frente
A esperança de preencher a minha
Que amanhã eu tenha o que contar

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Não sei se é Natal” (26/12/2012)

O vidro trabalhado distorce o nascer do sol que me acorda. Desperto em uma memória muito viva. As cores da folhagem, do céu, das paredes e do sofá. Tudo está intacto. Queria poder trazer outras pessoas aqui. Não me recordo exatamente dos natais que passei neste lugar, mas jamais esqueço a melhor forma que a vida me acordou. O mundo preocupava menos é verdade, mesmo assim assim aquela natureza trazia uma paz inigualável. Já mudei tantas vezes minhas cama na busca deste raio magnífico, sem sucesso. Hoje quando a luz chega, meu corpo já está vagando há algumas horas. Talvez o importante é que o momento ainda é vivo.
Do outro lado da janela há um avarandado que cerca toda casa. Nos pilares de tijolos laranjas diversos ganchos para descansar as redes. O vidro do amanhecer, faz na verdade parte de uma porta, dessas que as casas tem para receber convidados sem passar pela cozinha. Jamais foi aberta. Mais adiante há um lago entre duas grandes árvores que costumávamos subir. Na esquerda o campo de futebol improvisado e na cerca os pinheiros enfileirados. A casa era um único silêncio. A sala da TV e os quartos ficavam no lado oposto das janelas. Um batente sem porta separava tudo da copa e da cozinha. Eu de olhos abertos, aguardava. Logo tinha o café em família, logo o quintal estava aberto e poderíamos todos se perder em mais um dia.
Não lembro se era natal, só sei que todo ano isto era meu presente, aquele que mais queria…a felicidade.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

“Meu caro…” (05/12/2012)

Meu amigo, foi bom não te ver partir. Fica assim aquela ideia de um até logo que é muito mais verdadeira se tratando dos nossos corações. Nossas bobagens foram mais contidas, nossos segredos mais silenciosos, mas o que me alegra é esta mesa que continuamos todos a sentarem em volta. Não posso te prometer meus rumos nessa vida, mas posso prometer um abraço. Acho que isso nos manteve não aqui, mas em pé. Poderia aqui ser nostálgico em uma dose desmedida sobre as salvações de uma amizade, os lugares tão profundos onde fomos nos buscar, mas vamos abrir mão ao menos destes detalhes. Há um sorriso novo, é somos novos, acho que temos uma perspectiva sobre a vida que jamais imaginamos, sabíamos que chegaria, não pensei nesse quando. Fiquemos assim, sem quando. Alguns dizem que a vida nos mantém por perto, nós sabemos que parte de tudo é uma escolha. Espero nunca te ver partir.

Ass: Danilo Mendonça Martinho